segunda-feira, 4 de abril de 2011

Aos que Dispensam Homenagens

Muita gente respondeu aos movimentos pedindo atenção ao povo japonês, tanto no envio de ajuda física quanto às preces e boas energias. Na ocasião eu comentei que não tinha dúvidas quanto a capacidade deste povo em reerguer-se rapidamente, mas me surpreendi com algo:



Observe a primeira foto da rodovia Grande Kato, em Naka, em 11/03/11 e a foto seguinte da mesma rodovia, no mesmo trecho, em 24/03/11:


Apenas para concluir o raciocínio, a reforma da estrada começou apenas dia 17/03 e dia 23/03 à noite a estrada foi liberada para o tráfego!


Temos aqui mais um motivo para agradecermos por não haver terremotos no Brasil. Se algo assim ocorresse numa estrada aqui, demoraria 6 meses para abrir a licitação para ver quem é que poderia consertar a estrada e três meses depois seria anunciada a vitória de um consórcio da Camargo Corrêa com alguma empresa local. Tudo em caráter de urgência!

Como a minha intenção aqui é somente homenagear o povo que dispensa homenagens, aproveito para copiar o texto da Monja Coen, brasileira que viveu muito tempo no Japão, porque o achei simplesmente perfeito!

"Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão,me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: kokoro. Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.


Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?

Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las.

Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras.

A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima.

A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas. Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.

Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.


Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos-mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.


Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.

Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.

Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo. Sumimasem. Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades.


Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas. O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.

Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.

Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em Julho próximo.

Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.

Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.

Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.

Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só posso dizer : todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.

Mãos em prece (gassho)"


Monja Coen




Se você quiser saber mais sobre a Monja Coen e seu trabalho na difusão do Zen Budismo no Brasil, visite o site dela.





6 comentários:

  1. Respondo c/atraso pq ainda não consigo pensar no assunto sem chorar.
    O movimento de prece que gentilmente me enviou, foi traduzido por mim para todos os meus amigos japonezes.
    Por telefone ou msn a reação foi igual.Ficaram muitos emocionados,choramos juntos, e disseram muitas vezes SUMIMASEM.
    E minha parte japoneza agradece pelo calor humano que eles sentiram. Arigato!!!!

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  2. Obrigado pela postagem, Marina! E principalmente pelo trabalho que teve!

    Eu preparei aquele texto pedindo preces e energia positiva mas a difusão dele foi feita principalmente por rosacruzes, martinistas,budistas,espiritualistas de várias vertentes, enfim, pessoas que como você sabem que todos os seres possuem uma ligação sutil e que a humanidade só evoluirá como um todo se conseguirmos vivenciar isso.

    Permita que eles saibam que estamos felizes que nosso humilde movimento tenha servido como algum incentivo e conforto. Nós partilhamos suas dores mas temos certeza de seu rápido reerguimento, por isso agradecemos em poder ajudar de alguma forma.

    Domo arigato gozaimashita ^__^

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  3. Não há como discordar, Heraldo. Tanto os seus textos, este e o anterior, quanto esse impressionante da monja são parte das lições que precisam ser indeléveis. Assino ambaixo, em cima e dos lados, e até em cruz.

    Abraço, e saudades do senhor.

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  4. Grande Orlando! Também temos saudades!

    Logo mais vou ter que dar uma folga ao meu lado materialista e tirar uma folga num final de semana. Prepare-se que eu não me esquecerei de vocês!

    Obrigado e um grande abraço!

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  5. eles relmente não precisam de homenagenss, mas eu quero homenagear você pela matéria. Cresci mais ou menos uns 10 anos em sabedoria. Obrigado amigo.

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  6. Olá Silvia.

    Se você cresceu 10 anos em sabedoria tornou-se finalmente uma anciã!

    Obrigado pelo comentário e continuo aguardando o agendamento da próxima cachaçada,ou quem sabe, sakezada! ;)

    Um abração e até breve!

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